domingo, 13 de setembro de 2009

Sobre um Homem

Chovia ininterruptamente em Porto Alegre. Entro no trem e ao meu lado senta um homem. Mas não era qualquer homem. Ainda estou desconcertada, pois um homem daqueles não havia ainda me chamado a atenção.
Descrevo: ele estava vestido em trajes tipicamente gaúchos. Usava uma boina e um lenço vermelho amarrado no pescoço. Difícil descrever o que eu senti durante todo o caminho até São Leopoldo. Era uma curiosidade, uma vontade de tocar aquele homem. Sentou ao meu lado. De perfil era especialmente bonito.
Tinha a barba espessa, podia escutála quando ele coçava o rosto. Seu nariz era razoavelmente bem feito, mas o que me encantou foram os cílios: longos... e as pintinhas que ele tinha por todo o rosto. Pude reparar em uma que ficava na entrada da orelha. Aproveitei para observar bem, pois assim que o metrô começou a andar ele fechou os olhos. Acho que logo adormeceu, então eu pude observar cada detalhe.
No primeiro momento fiquei com medo de que ele acordasse e notasse que eu o observava. Imaginei então se ele estaria de botas e bombacha, então pus o corpo um pouco pra frente para observar. Sim ele estava. Também carregava uma mochila no colo, que não combinava com a roupa. Queria saber o que havia dentro dela. O que estaria carregando aquele homem?
Tentei sentir que cheiro que ele tinha, me aproximei um pouco mais. Meu coração batia. Estava descobrindo aquele homem sem pedir sua permissão. Não demorou para que eu me perguntasse: Estaria ele mesmo dormindo? Desejei que ele acordasse, estava decidida a perguntar seu nome, saber de onde ele vem. Queria saber por que entrou naquele vagão? Para me desconcertar? Já estava irritada com aquela situação.
Notei que a mulher que estava sentada na frente já havia percebido tudo o que eu estava fazendo. Mas eu precisava encostar nele. Coloquei meu corpo mais para o lado e o casaco dele encostou em mim, mas era pouco, eu queria ficar mais perto. Agora tinha certeza de que ele dormia, pois sua cabeça eventualmente pendia pro lado. Estava torcendo que ela encostasse no meu ombro. ..
Já estávamos em Esteio e eu não conseguia olhar para outra coisa, estava hipnotizada. Pensei em acordá-lo e avisar que em pouco tempo estaríamos em São Leopoldo. Começaria uma conversa e o convidaria para tomar um café. O plano era perfeito.
Eis que subtamente ele abre os olhos, justo quando eu observava seus lábios!
Ele percebeu. Estava perdida.
Ele me olha e pergunta em que estação estávamos. Quase desfaleci, me trapalhei para dar a resposta. Ele agradeceu com um sorriso e desceu na próxima estação.

Ainda bem que eu não o conheci mais, porque à noite pude sonhar com ele.

Um comentário:

  1. Acho que você deve gostar de Florbela Espanca. Encaixa com o que você escreveu.

    Robson


    AMIGA

    Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
    A tua amiga só, já que não queres
    Que pelo teu amor seja a melhor,
    A mais triste de todas as mulheres.

    Que só, de ti, me venha mágoa e dor
    O que me importa a mim?! O que quiseres
    É sempre um sonho bom! Seja o que for,
    Bendito sejas tu por mo dizeres!

    Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...
    como se os dois nascêssemos irmãos,
    Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...

    Beija-mas bem!...Que fantasia louca
    Guardar assim, fechados, nestas mãos,
    Os beijos que sonhei prá minha boca!...

    Florbela Espanca

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